A Estrada e a Andorinha fazendo Verão
Era uma vez uma estrada. Ou melhor, algo que um dia poderia ter sido considerado uma estrada. Por mais que ainda se assemelhasse a uma, aquilo já não poderia mais ser considerado uma. Estradas servem para ir e voltar, para seguir, para ser um caminho. Naquela estrada, ninguém mais ia ou voltava, ninguém entrava lá e quem estava lá não conseguia sair. Era muito frustrante ser uma não-estrada com asfalto, placas, pintura de faixas… e não servir ao propósito que era ser caminho.
O pior de tudo é que aquela estrada era consciente do que estava acontecendo. Sabia que era uma estrada, sabia que era para ser caminho, mas também sabia que não estava fazendo mais a coisa que deveria ser feita. São muitos os motivos que fazem uma estrada deixar de ser uma estrada, e, nessa em específico, a falta de caminho fazia uma espécie de eterno outono. Tudo era mais sóbrio, e as coisas pareciam mais melancólicas e desbotadas do que nunca. O mato cresceu tanto que até ele nem mais crescia para cima; já fazia uma parábola decadente. Não havia motivos para se cortar o mato, porque, se uma estrada não funcionasse como estrada, nenhuma outra coisa que não funcionasse direito, como mato avançando, precisaria funcionar também. Mas isso tudo ficou meio diferente quando uma andorinha pousou ali.
Não se sabe ao certo por que a andorinha estava por aqueles lados, nem mesmo como ela chegou ali, já que naquela estrada ninguém entrava e ninguém saía. É bem verdade que andorinhas não precisam de estradas para fazer o seu caminho, elas estão sempre fazendo o seu próprio. Não se tem asas à toa. E elas são seres feitos para migrar, apenas passando pelos lugares. Mas a estrada percebeu um farfalhar de asas em seu entorno, e ali estava, não mais que de repente, a andorinha. Pequena, ágil e marrom, apenas se fez repousar num galho dali. Naquele lugar em que nada mudava, uma simples condição nova, por mais aleatória que fosse, consegue transformar tudo num efeito cascata. Dali era possível perceber que aquela andorinha, tão miúda e com os olhos atentos onde tinha chegado, de fato parecia um furacão de novidades.
A estrada, que nada passava, notou que absolutamente tudo estava diferente. O céu acinzentado voltou a ganhar um leve tom de azul. O mato, embora ainda apontando para baixo, com seu longo capim, parecia dar uma leve eriçada. Suas placas desgastadas com o tempo pareciam novas; na verdade, parecia que até tinham novas informações nelas. Indicações de caminhos nunca antes falados naquela estrada, setas apontando para outras direções que a estrada nem sabia que poderia levar.
O céu foi ficando mais azul à medida que a andorinha balançava a cabeça e olhava para aquela estrada. O sol, depois de tanto tempo, finalmente brilhou forte naquele canto esquecido. “Eu nem lembrava que ele brilhava assim”, disse a estrada, enquanto a luz do sol tornava os olhos da andorinha um brilho raro. Durante aquele tempo — segundos, quinze minutos, cinquenta e três horas — ninguém estava contando, a estrada percebeu que poderia haver movimento ali. Parece estranho uma estrada perceber que poderia haver movimento, tendo em vista que é da natureza delas, mas aquela estrada há muito tempo havia perdido seu propósito. Tudo agora era claro e, contrariando todo o saber popular, uma andorinha só estava fazendo verão. O verão, depois de um longo outono, não atrapalha muito se for quente; pelo contrário, aquele calor era uma nostalgia de outros tempos, de quando os mais variados veículos passavam ali, cada um à sua maneira, cada um no seu som.
A andorinha também percebeu que o lugar já era outro desde que chegou, mas talvez não estivesse ali tempo suficiente para saber que era por causa dela. Talvez também a andorinha sempre ouviu que sozinha não fazia verão, então nem passou pela cabeça dela que carros estivessem passando naquela estrada depois de tanto tempo tinha a ver com ela. Mesmo que poucos carros, a diferença entre o nada e o algo é muito maior do que entre o algo e o tudo.
Depois de um tempo — segundos, quinze minutos, cinquenta e três horas — ninguém está contando, a andorinha cumpriu seu ideal e bateu asas. É da natureza das andorinhas passarem, e da natureza da estrada ver os outros passarem. Quando ela se foi, o mato deu uma leve relaxada, como um corpo cansado que se esparrama no sofá. O azul do céu recebeu alguns contornos de cinza, como alguém que gira um botão. Talvez tenha ficado uma ou outra nova seta nas placas, e, embora o sol tivesse diminuído, ainda dava para sentir um pouco do calor daquele improvável verão que uma andorinha é capaz de fazer. A estrada deixou de ouvir o som dos motores. Parece que nada mais vai passar por ali. “Ou não, talvez ainda haja a migração da volta”, tem refletido a estrada.