Cemitério de elefantes

A lenda de vez em quando falada por aí é que existe um lugar que os elefantes vão quando sabem que estão para morrer. Esse cemitério de elefantes é poético, um canto de redenção, de fim de jornada, um espaço de paz onde enfim os elefantes podem com sua boa memória recordar sua vida e suspirar pela última vez. Nada mais bonito que imaginar o velho elefante sentindo sua morte se aproximar e honrosamente seguir para o local final. Os humanos usam essa alegoria para tratar muito do nosso comportamento.
Finitude e ciclos terminados são coisas muito difíceis de se digerir, e toda a produção de conhecimento que geramos para compreender o invisível e o sobrenatural envolve o nosso próprio desespero em lidar com isso. Por isso buscamos as opções mais nobres e edificantes para enfrentar o momento.
É bonito, mas os diversos esqueletos de elefantes em uma determinada área não tem como motivo esse doce réquiem que a lenda faz crer. A realidade, como qualquer realidade, é sempre pior.
Elefantes são nômades. Estão sempre em manada se locomovendo de um ponto ao outro, em busca de alimentos e fugindo de predadores. Como as estações do ano começam mais de um lado, seguem todas as manadas em direção ao outro, onde as plantas e alimentos já cresceram novamente.
Alguns elefantes simplesmente não conseguem mais acompanhar a manada. Como todas elas estão seguindo para uma direção, os elefantes que não conseguem seguir apenas ficam.
O mais curioso disso é que não tem nada a ver com perceber a morte, o fim, e se afastar. Os elefantes que não seguem se juntam em busca de uma proteção ilusória e morrem juntos, mas sozinhos.
Enquanto isso, pretensamente acreditamos que o elefante está sereno da sua missão e do que está acontecendo.
O mais cruel disso é que os cemitérios não são criados pelo belo sentimento de finitude dos sábios elefantes. O elefante só percebe que ficou quando de fato ficou.
Quem cria os cemitérios são as manadas que vão. O que fica é cemitério.