Diego Paiva
4 min readFeb 24, 2021

Des-sentido

Tem algo nela que faz tudo aquilo que não faz sentido algum passe a fazer. Eu não sei explicar. Se eu fosse parar e pensar cientificamente o motivo eu talvez teria tantas variáveis que precisaríamos deslocar um setor inteiro da NASA para resolver essa equação. Eu ein, prefiro que eles continuem calculando a rota de foguetes nunca lançados para Marte.

Sem ser clichê, ela apareceu no momento certo. Ok, foi clichê, mas isso não impede de ser verdade. O timing, meus amigos, o timing é tudo. Alguém sem timing estraga qualquer piada. Uma pessoa que domina o timing de uma narrativa transforma em poesia um simples relato de como foi o dia. E nisso ela tem um timing certo. Uma leveza no storytelling que qualquer cineasta desejaria esse roteiro. Primeiros, segundos e terceiros atos suavemente encaixados como um naipe de violinos tocando cada um sua nota de uma partitura de Vivaldi.

E na trilha desse timing não havia momento melhor do que o momento que ela resolveu aparecer para as minhas retinas. Fosse antes talvez nem a visse. Fosse depois talvez nem desse tempo. Foi no momento tão exato quanto a sincronia de dois trapezistas fazendo manobras, um saltando para os braços do outro num circo que a gente não sabe se tinha rede embaixo pra segurar. E desde então eu tô nesse balanço.

Eu não acredito naquela papo bobo que os opostos se atraem. Como o Anitelli já colocou numa música, pra mim os opostos se distraem. E ela não é exatamente meu oposto, a gente tem muito em comum. Mas devo confessar que o que fez tudo ter sincronia foi o balanço perfeito entre nossas semelhanças e nossas diferenças. Onde a gente é diferente a gente não é só diferente, ela tem as diferenças que eu busco. Ela tem a Sabedoria que eu não tenho e quero. Não sei se ela quer algo que eu tenha, ela fala muito da minha inteligência mas ela tá sempre me dando um nó tático como se eu fosse um Felipão de uma semifinal de Copa do Mundo. Inteligência e Sabedoria não são sinônimos, embora tenham muitas características em comum. E é isso, somos como Inteligência e Sabedoria, tão iguais, tão diferentes.

Eu sempre fui uma pessoa muito temerosa da rotina. Ela me ensinou que como quase todos os substantivos do mundo, existe a rotina boa e a rotina ruim. Que sim, os mesmos engarrafamentos na Avenida Brasil todos os dias são ruins, mas que diariamente ter um ritual de cuidado de manhã com chá preto, leite e mel é uma rotina boa. Ela tem receios de dar alguns passos numa certa direção e eu sou aquele pai na piscina de braços estendidos para a borda dizendo “Vem, pula!” enquanto de boias no braço e protetor solar fator 250 uma criança de 2 anos olha assustada para a imensidão da piscina. Quando você tem 2 anos piscina e oceano índico são a mesma coisa. Só descobre a diferença quem pula nos dois.

E parece que eu a estou pintando de covarde mas não se engane, ela é muito corajosa, só prefere o elemento terra do que o elemento água. Ela é uma transgressora que desobedece a única lei que realmente funciona nesse país, a lei da gravidade. Água morro abaixo, ela morro acima. E eu… bom, aí eu que sou essa criança de dois anos vendo ela sumir aos poucos, ficando menor a cada impulso.

Já passei muito tempo com ela. Já tomamos chá juntos, já fizemos um pão com ovo, já ficamos deitados na cama conversando insistentemente até o sono se tornar uma espécie de obrigação. Já chorei também. Com ela e por ela. Por causa dela. Não há demérito ou vilania nisso. Eu chorei quando vi o mundo se cercando em minha volta, quando eu vi o mundo dela indo pra um lugar mais distante e por que não chorar de alívio quando esse mundo voltou a ficar mais perto.

Eu não sei explicar nada disso que eu to falando. O motivo. Até porque para qualquer explicação deveria haver um sentido. Uma bússola, uma razão. E razão não há. Bom, espere, talvez exista algum pingo de racionalidade no que eu digo e como qualquer vocalista de pagode dos anos 90 sabe isso se chama amor.

O amor não é sobre tentativa e erro. É sobre expectativas e quebras. Ela não é uma expectativa, eu nunca procurei alguém como ela. Foi ela que me fez ver que a quebra de expectativa também era uma forma de amor, que fala menos sobre desejos e mais sobre conforto. É confortável pensar nela. É reconfortante pensar nela e saber que ela não só existe mas existe daquele jeito. É até reconfortante pensar na falta que ela faz. Amor não é uma balsa de fogos de artifício explodindo numa virada de ano na praia, isso é outra coisa (que não é ruim). Amor é cobertor, caneca de chá, rede de descanso. Por isso que ela exala amor. Mesmo que sem sentido, ainda há algum fio condutivo nisso tudo e ele tem o nome dessa palavrinha mágica de 4 caracteres e que ocupa menos de 1 byte: Amor.

[Junho/2020]

Diego Paiva
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Written by Diego Paiva

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