Diego Paiva
2 min readFeb 18, 2023

— O que o senhor deseja?
— Desejo morrer.

Ela já tinha ouvido de tudo. Cantadas, pedidos estranhos, perguntas estranhas sobre aquele lugar. Tudo, absolutamente tudo. Mesmo já tendo ouvido tudo, nada, absolutamente nada havia preparado seu espírito para a frase que ouviu. Ou seja, aquele tudo anterior estava mais próximo do nada do que do tudo. Os segundos de silêncio, o seu dedo congelado no ar por centímetros da tela esperando para clicar na opção do cliente no touchpad e até seus pensamentos sobre o que fazer no fim de semana pareciam completamente irrelevantes depois da frase. Mesmo com toda a aleatoriedade do momento ela foi recobrando (algum) sentido num esforço para a fenda quântica que sugou toda a lógica se fechar e respondeu:

— Senhor, aqui é o Starbucks.

Silêncio, mais silêncio. O homem fez cara de “e daí?” para sua frase. Era a cara de “e daí?” mais “e daí?” da história. Não havia um pingo de dúvida naquele rosto que ficava em cima de um corpo coberto por um paletó preto e uma camisa meio rosa, meio salmão, meio o que quer que seja o novo nome dessa cor decidida pelos marqueteiros. Ele permaneceu impávido como se aquela frase dele tivesse feito sentido. Como se a louca fosse ela. E ela pensou “talvez eu que seja”. Quando o barão Pluck, homem mais rico de Sanzathom, se viu diante de um homem que havia solicitado uma audiência e pediu um abraço também fez essa mesma cara de confusão. O Barão Pluck estava acostumado com pedidos de dinheiro, trabalho, navios para uma expedição com lucros pornográficos e não estava — lembrou a atendente — nem um pouco preparado para algo como um abraço. Mas a história do Barão Pluck fica pra depois, pois a atendente ainda precisava decifrar o que aquele homem realmente queria. A fila aumentava.

— Eu não sei se você entendeu direito, mas aqui é o Starbucks, a gente vende café e outras coisas.
— Eu sei muito bem, conheço os produtos. Talvez eu seja capaz de dizer todos os sabores de frapuccino em ordem alfabética tal qual um perturbado consiga até hoje sem motivo algum dizer a escalação brasileira na copa de 1994 do 1 ao 22. Não tenho dúvida alguma do que vocês vendem.
— Então você sabe que a gente não vende morte.
— Sim.

Era um teste, ela pensou. Era um ator contratado pelo gerente para testar a equipe. Era um sonho. Era qualquer coisa menos a normalidade.

— Tá — e então hesitou e mediu cada palavra como um agente do esquadrão antibombas bêbado na frente da Enola Gay — Mas e dos nossos produtos, você vai querer alguma coisa?
— Ah sim, quero o Mocca Branco base café, venti.

Foi por pouco, naquele dia foi por pouco, ela se recorda.

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Written by Diego Paiva

Depósito de textos antigos e novos. Sem ordem cronológica, sem ordem temática, sem ordem de forma geral

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