Poeira

Eu juntei muita poeira nos últimos meses. Para todo canto que olho vejo poeira. Mas eu não estou falando apenas da casa e do quanto ela vai vencendo aos pouquinhos a briga. Eu percebi também que tenho muita poeira em mim. Isso não se resume apenas ao que fica na minha pele, falo também da poeira que a gente deixa dentro da gente.

É irônico a gente pensar que o natural é a poeira. Basta não fazer nada que a poeira vai entrando e acumulando nos cantos. Ela começa devagar, no princípio por mais que a gente não veja a poeira já está lá, flutuando graciosamente desprezando o ar e a gravidade, ou melhor, as gravidades. Tirar a poeira que é o antinatural, é o que demanda um esforço, uma ação. A poeira é insidiosa e cruel, porque habita no silêncio. Outra grande ironia da vida das poeiras e das partículas quase invisíveis é que elas são democráticas. Toda poeira um dia já fez parte de outro algo e agora lhe restou se acumular nos cantos que aceitam.

Uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci na vida certa vez escreveu um mini texto sobre uma porta que batia. Ela viu o início quando vento começou a mover a porta que estava aberta, viu a velocidade acelerando e sabia definitivamente que de onde estava não poderia fazer nada para evitar a forte batida e o BLAM subsequente, quase punitivo, como uma sirene de um Game Show num programa de auditório no SBT dos anos 90 anunciando sua eliminação. Eu lembrei disso e pensei que pelo menos o estrondo da batida pode servir como tiro de largada. Mas não a poeira.

Sacudir a poeira é o sinônimo como diz a música de dar a volta por cima. Toda quina empoeirada é limpável. Todo móvel com uma leve camada de cinza é lavável. Mas é preciso também entender que existem poeiras e poeiras, que não é todo espanador capaz de alcançar aqueles cantinhos mais ermos e fechados. Tem poeira que é só uma faxina geral que resolve. Toda poeira tem um pouco de solidão e desistência.

(24/06/2020)